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A linha tênue entre realidade e ficção em O Labirinto do Fauno

Janaína de Oliveira Souza
Graduada em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)
E-mail: jana_oliva@outlook.com

Cartaz de divulgação do filme O Labirinto do Fauno (2006). Fonte: .

Pensar a História, principalmente enquanto campo de estudo, é entendê-la permeada por pluralidades em suas temáticas, objetos e fontes utilizadas. Sendo assim, a partir do entendimento dessa variedade e de um viés de História Cultural que, de acordo com Roger Chartier (1994), consiste em “identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”, o historiador pode se valer de diversos meios e questões na construção de uma análise histórica ampla.

Partindo dessa premissa, esse texto considera a Literatura e o Cinema como campos úteis para entender, pensar e escrever a história, pois esses escopos apresentam características e anseios do universo e da época na qual foram produzidos, bem como permitem ao historiador analisar contextos, personagens, sentimentos compartilhados e a relação entre o real e o ficcional em suas produções. Por meio dessa percepção, podemos entender o filme O Labirinto do Fauno (2006), do diretor Guillermo del Toro – posteriormente adaptado a livro pela editora Intrínseca em 2019 –, como uma realização ficcional composta por elementos fantásticos, mas que também se compõe por elementos históricos.

O filme O Labirinto do Fauno – e também o livro – são obras bastante conhecidas e de gosto popular do gênero da fantasia. No seu desenrolar, apresentam itens de um realismo mágico na construção da narrativa que conta a história de Ofélia, uma garota de 13 anos que se muda com a mãe em 1944 para uma fazenda em Navarra, na Espanha. Viagem essa em que Ofélia conhece seu padrasto, o general Vidal, um homem autoritário e violento. Além dele, ela passa a conhecer os outros moradores da fazenda, como a cozinheira Mercedes e o médico Ferreiro, mas, para além desses personagens, Ofélia conhece principalmente criaturas místicas, como o fauno, as fadas, o homem pálido e demais personagens que compõem o mundo subterrâneo e o teor fantástico da produção.

Entrelaçando os personagens citados acima, tanto o livro quanto o filme nos inserem na vida cotidiana dessa jovem, que se apresenta transpassada por medos, curiosidades, amizades, mitologia e história; dessa maneira, quanto ao viés do real nesse produto, podemos destacar o seu contexto histórico. Como citado anteriormente, a narrativa se situa no ano de 1944, retratando uma Espanha após a Guerra Civil (1936-1939) e que vivia naquele momento à sombra do regime ditatorial franquista (1939-1975), sob a liderança do General Francisco Franco.

Tal contexto é apropriado como plano de fundo dos acontecimentos da obra, que apresenta Vidal como um dos generais do regime de Franco, que, através do seu status de poder, promove violência, torturas e segue de forma incontestável o Estado autoritário. Para mais, Mercedes e o Dr. Ferreiro se apresentam como subversores dessa ordem, atuando mesmo às escondidas como apoiadores da resistência. Além deles, outros personagens também são inseridos para representar soldados franquistas e guerrilheiros maquis – partisans que atuaram na resistência ao franquismo entre 1937-1952, atuando principalmente nas florestas e montanhas da Espanha. Ademais, outros acontecimentos e contextos na obra remontam como plano de fundo – a nível global – as influências da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ainda em seu desenrolar.

Desse modo, situando um tempo histórico, em um espaço e entrelaçando-o com memórias e mitos, O Labirinto do Fauno apresenta para o espectador/leitor cenas de guerra, lutas, torturas e resistências, como também transpõe a busca pela memória, a imaginação e as lendas. Apresenta também esse paralelo entre o plano da magia e da realidade, que possibilita de tal forma que a obra seja apropriada para o lazer, estudo e reflexão. De tal modo, que, assim como Ofélia, nos apeguemos à arte e aos livros (e filmes) para rememorar momentos históricos, e também, para captar o realismo mágico da nossa existência.

Para saber mais:

ALVES, S. P; RIBEIRO, J. M. Memória e Mito entrelaçados em O Labirinto do Fauno. Revista Aurora, v. 11. São Paulo, 2011.

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela Galhardo. Lisboa: DIFEL, 2002, p. 16-17.

TORO, Guillermo Del. O Labirinto do Fauno (El Laberinto del Fauno). ESP/MEX/EUA: Estúdios Picasso, Tequila Gang e Esperanto Filmoj, 2006, 119 minutos.

TORO, Guillermo Del; FUNKE, Cornelia. O Labirinto do Fauno. 1ª ed – Editora Intrínseca. Rio de Janeiro, 320p, 2019.

Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/getempo/a-linha-tenue-entre-realidade-e-ficcao-em-o-labirinto-do-fauno/ em 17/11/2022


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