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A virada de ano revolucionária em Cuba (1959)

Maria Luiza Pérola Dantas Barros
Doutoranda em História Comparada (PPGHC/UFRJ)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
E-mail: perola@getempo.org

Fidel Castro e guerrilheiros comemorando a vitória sobre a ditadura de Fulgencio Batista. Pensa Latina, 04 de janeiro de 1959. Fonte: https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1620493843478260-revolucao-cubana

Na véspera do Ano Novo de 1959, o general Fulgencio Batista, então governante de Cuba, fugia com sua família e amigos da sede do poder. Tal fato, posteriormente, se transformaria em um dos marcos de um processo revolucionário que impactou tanto a história do país quanto se configurou, para seus contemporâneos, como o “futuro presente” dos demais países latino-americanos: a Revolução Cubana.

Um processo revolucionário não se produz no vazio, mas antes é moldado por uma experiência histórica, uma experiência econômica, política e cultural em uma dada sociedade. Alguns autores, ao pensarem os fatores que propiciaram a Revolução Cubana, remetem à hegemonia norte-americana do final do século XIX. Outros, como Florestan Fernandes, recuam um pouco mais, até o século XVIII, para falar da “bota de chumbo” do passado colonial e suas marcas em Cuba, o que tornou possível a coexistência na sociedade urbana de pessoas que se apropriavam do excedente produzido com aqueles que viviam na miséria e sem perspectiva de melhorias.

Entre 1902 e 1958, políticos corruptos se sucederam no governo de Cuba e, sob a chancela dos Estados Unidos, foram responsáveis pela manutenção de um governo dependente. Naquele período, o destaque recairia para o golpe ocorrido em 1952, responsável por levar ao poder Fulgêncio Batista, e por detonar um movimento oposicionista de setores descontentes com os rumos antidemocráticos do país. Nesse cenário de acirramento das contradições internas, a luta armada emergiu como um instrumento dos movimentos revolucionários e a figura de Fidel Castro despontou como liderança dos grupos de insurgentes.

Em 26 de julho de 1953, Fidel Castro liderou pouco mais de uma centena de homens no Assalto ao Quartel Moncada, marcando o início do processo revolucionário cubano. Naquele momento, o movimento possuía um caráter nacional-democrático, direcionado contra o regime ditatorial e o domínio imperialista norte-americano. Por conta desse fato, que serviria como fundamento para o Movimento 26 de julho (M-26), Fidel Castro e seu irmão foram presos e, com a posterior anistia, se exilaram no México onde, juntamente com Che Guevara, recrutaram pessoas para uma nova tentativa de derrubar Batista do poder, ocorrida em 1956. Com o seu fracasso, o grupo se refugiou na região montanhosa de Sierra Maestra e passou a se valer das técnicas de guerrilhas.

No momento de sua aparição, o M-26 não era o único grupo atuante na ilha. Porém, com o passar do tempo, os outros líderes ou estavam enfraquecidos ou tinham sido destruídos, o que transformou o grupo de guerrilheiros liderados por Fidel Castro na única força insurgente viável, que combatia contra o exército cubano tanto no meio rural quanto no urbano, com expressiva presença de apoiadores e participantes somada ao aparente apoio popular.

Gradativamente, os revolucionários foram conquistando território na ilha e projetando ataques em diversas áreas, o que evidenciava cada vez mais a vitória do grupo, culminando na fuga já mencionada do general Batista do poder.

Para alguns estudiosos, a ideia de revolução em Cuba estaria ligada a esses acontecimentos; para outros, estaria ligada ao que ocorreu após, com o governo revolucionário. Autores como Marcos Antonio da Silva (2018) defendem que o processo revolucionário possuiria cinco fases, abrangendo: a transição revolucionária (1959-1962), a fase radical ou socialista real revolucionária (de 1962-1970), a institucionalização socialista (de 1970 a 1989), o período especial em tempos de paz (de 1990 até a retirada de Fidel Castro em 2006) e a posterior atualização do modelo, conduzida por Raul Castro, buscando a construção de um socialismo viável. Porém, não há uma unanimidade entre os pesquisadores da área quanto a isso.

Com relação ao poder revolucionário instaurado, a partir daquele momento, passaria a agir em nome das demandas de desamparados, famintos e explorados, priorizando agudas transformações no campo e na cidade, com medidas como, por exemplo, a criação de novos ministérios, a redução dos preços de telefonia e dos remédios e a instituição do salário mínimo para cortadores de cana.

Mesmo que a euforia com as melhorias tenha deixado de lado a preocupação com os recursos financeiros que iriam financiá-las, importa dizer que desde 1959 o que se processava em Cuba foi responsável por alçá-la, juntamente com o Caribe, a foco de atenção de grande parte do mundo. A caribanidade passou a ser associada a partir de então à ideia de luta e resistência. A revolução virou um artigo de consumo, pondo um fim a marginalização cultural latino-americana.

O interessante é notar que, em meio a esse boom de transformações em diversos aspectos propiciadas pela revolução, tensões continuaram a existir no que se refere à inserção e à participação das mulheres no Exército Rebelde Cubano. Ainda que a memória oficial tenha construído a ideia de participação efetiva das mulheres na luta insurrecional, com o Pelotão Mariana Grajeles, elas continuaram associadas, em grande parte, naquele contexto revolucionário, à questão da fragilidade, sendo vistas com peso para os combatentes, devendo apenas auxiliar na guerrilha de maneira indireta (como mensageira, ensinando as primeiras letras, confeccionando uniformes, cozinhando, ou mesmo atuando como enfermeira) e auxiliando o homem guerrilheiro.

Para saber mais:

COSTA, Adriane Vidal. Os intelectuais, o boom da literatura latino-americana e a Revolução Cubana. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH, SP, julho 2001, p.01-15.

LUCENA, Maria de Fátima Gomes de. Florestan Fernandes e a Revolução Cubana- algumas considerações sobre o livro “Da guerrilha ao Socialismo: a Revolução Cubana”. Revista Olhares Sociais, PPGCS/UFRB, vol.03, n 02, 2014.

RAMOS, Dernival Venâncio. A invenção do Caribe como contracultura e a Revolução Cubana. Revista Brasileira do Caribe, vol VIII, n 16, 2008, p. 459-469.

RODRIGUES, Andresa da Mota Silveira; RIBEIRO, Bárbara Sien; DIAS, Felipe Oliveira; MELO, Pedro de Souza. Os Rumos da Revolução Cubana. Simulação das Nações Unidas para Secundaristas, 2012, p.16-45.

SADDI, Rafael; MELO, Érica Isabel. Gênero e Revolução Cubana: reflexões sobre as relações de gênero no Exército Rebelde. Revista Diálogos (Maringá Online), vol. 16, n. 3, set-dez 2012, p. 1267-1287.

SILVA, Marcos Antônio da. Revolução, fotografia e construção narrativa: uma introdução à “Épica Revolucionária Cubana”. REBELA, vol. 8, n. 2, maio/ago 2018.


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