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A questão hindu-muçulmana: uma herança do colonialismo britânico

Andrey Augusto Ribeiro dos Santos
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC/UFRJ)
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Integrante do Grupo de Pesquisa de Política Internacional (GPPI/UFRJ) e do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)

Imagem: Tropas indianas e paquistanesas em rito diário na fronteira entre os dois países. Fonte: BBC News Brasil.

No primeiro domingo de maio de 2023, boa parte do mundo parou para ver a coroação do rei Charles III, alçado à posição de monarca britânico após a morte da sua mãe, Elizabeth II. O evento evidenciou diversas questões; tanto internas, relacionadas a pontos como a legitimidade da monarquia britânica frente aos seus cidadãos, quanto externas, como a incerta permanência da figura do monarca da Grã-Bretanha enquanto chefe político de cerca de 14 países localizados para além do território inglês. Isso acabou colocando mais uma vez a herança colonialista desse país no centro das discussões na mídia.

Outro fator que expôs ainda mais a questão imperialista inglesa surgiu a partir das cobranças de restituição feitas por países como África do Sul, Índia, Afeganistão e Irã, relacionadas a joias presentes em artefatos da Coroa Inglesa que teriam sido levada desses países enquanto ainda possuíam status colonial. As discussões sobre tais heranças há muito vêm sendo desenvolvidas no meio acadêmico, principalmente nas nações que sofreram, e ainda sofrem, com esse legado. E apesar de grande parte desses questionamentos não serem atendidos, os países que no passado foram colônias têm cada vez mais se empenhado em fazê-los.

Porém, não são apenas os diamantes saqueados de ex-colônias que nos permitem enxergar a herança imperialista britânica, e um desses casos envolve Índia e Paquistão. Por muito tempo, o local onde se situam os dois países foi um dos principais territórios coloniais ingleses, no qual hindus e muçulmanos chamaram atenção após se unirem contra as autoridades imperialistas num episódio ocorrido em 1857, conhecido como Revolta dos Sipaios. Visando evitar problemas administrativos na região, os ingleses utilizaram a tática de “dividir para conquistar”, oferecendo diversos benefícios para grupos hindus enquanto buscavam marginalizar os muçulmanos, tidos pelas autoridades britânicas como mais propensos a desafiar o seu domínio.

Com isso, surgiram hostilidades entre os dois grupos nativos, o que evitava que eles se unissem contra a administração estrangeira. Tais rivalidades arrefeceram apenas no período localizado no entorno das duas Grandes Guerras Mundiais, quando se fortaleceram os questionamentos sobre a dominação imperialista na região, tanto por parte do Congresso Nacional Indiano, partido que representava os hindus, quanto pela Liga Muçulmana da Índia, partido ligado a demandas de grupos islâmicos. Assim, a pauta da independência aproximou os dois lados, mesmo que temporariamente.

Nesse período, o domínio britânico na região se tornou cada vez mais insustentável, deixando evidente que a independência estava próxima. Nesse processo, o Congresso Nacional Indiano ganhou cada vez mais espaço, chegando a almejar se tornar um partido único nacional, representando hindus e islâmicos. Isso reacendeu a rixa, assustando os muçulmanos, que; temendo repressões num Estado predominantemente hindu; romperam com o Congresso Nacional Indiano e passaram a defender um projeto separatista.

A independência em relação ao domínio britânico veio em 1947, num processo de transição de poder tido como pacífico, já que o último governador inglês se retirou sem grandes conflitos. No entanto, em seu último ato, ele assinou a independência da região e a separou no que hoje seria a Índia, destinada aos hindus, e Paquistão, destinado aos muçulmanos. Logo após a separação, houve uma onda de violência responsável pela morte e desalojamento de milhões de pessoas nos dois novos países. 

Assim, apesar de “pacífico”, esse processo de independência emergiu dentro de um contexto de conflitos entre hindus e muçulmanos, com as cicatrizes da política de divisão usada pelos ingleses ainda sendo notórias na contemporaneidade. A hostilidade hindu-muçulmana prevalece, fomentando disputas territoriais e fazendo com que, em alguns pontos, da Índia os muçulmanos sejam marginalizados, enquanto os hindus sofrem discriminação no Paquistão. De ambos os lados, tais atos de perseguição, e por vezes violência, provocam um processo contínuo de migração, seja de hindus para a Índia ou de muçulmanos para o Paquistão, o que intensifica ainda mais a cisão e os conflitos entre os dois grupos.

Em suma, o caso dos problemas herdados da administração colonial britânica no subcontinente indiano serve como mais um exemplo das heranças nocivas deixadas nas regiões exploradas pelo imperialismo. Esse é apenas um dentre diversos outros exemplos que podem ser encontrados na Ásia e na África, no qual complexos conflitos contemporâneos encontram suas raízes em intervenções imperialistas ocorridas entre os séculos XIX e XX. 

Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/getempo/a-questao-hindu-muculmana-uma-heranca-do-colonialismo-britanico/ em 29/07/2023


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