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Aracaju, uma cidade do impossível: entre avanços e retrocessos

Professor Doutor Paulo Roberto Alves Teles
pauloteles_aju@hotmail.com

Tabuleiro de Pirro, Centro de Aracaju. Acervo do Professor Amâncio Cardoso. Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2017/11/09/especial-expressao-sergipana-or-quadrado-de-pirro-nosso-eterno-centro-parte-1/

As origens da fundação da cidade de Aracaju remontam as disputas políticas entre as duas principais regiões da Província de Sergipe no século XIX: Vale do Cotinguiba e o Vale do Vaza-Barris, ambas representadas por lideranças políticas que almejavam o protagonismo sobre o território sergipano; uma delas, João Gomes de Melo, o Barão de Maruim.

Aracaju foi fundada em 17 de março de 1855 e destacou-se pelo seu projeto desafiador; isto é, implantar uma capital administrativa numa área marcada por charcos, cujo principal atrativo era a proximidade do litoral, o que atenderia aos desejos da elite açucareira do Vale do Cotinguiba. O desenvolvimento da região correspondente ao Vale do Cotinguiba – ocasionada com o aumento do consumo do açúcar – teria forçado a criação de um novo centro de escoamento da produção que viesse atender às necessidades de contato entre o mercado externo e o centro produtivo.

Dessa forma, a cidade de São Cristóvão não se enquadrava no perfil de capital, já que essa, por não apresentar boas condições de escoamento, não centralizava em si as funções de uma cidade-capital. Era necessário produzir um ambiente urbano que atendesse às necessidades políticas, econômicas e até mesmo ideológicas da época. Fez-se assim Aracaju. Apresentada como o futuro, Aracaju foi fruto de um plano arquitetônico assumido pelo engenheiro Sebastião J. B. Pirro, durante a gestão do presidente de província Ignácio Barbosa (1853-1855).

Desde aquele momento, o projeto arquitetônico já apresentava embriões da exclusão social. Acompanhado de restrições e medidas impostas pelo código de posturas, que limitava o acesso à terra encarecendo-a e, dessa forma, segregando a população migrante, posta às margens do tabuleiro de Pirro. Instalados nas áreas periféricas do quadrilátero, os imigrantes advindos do interior compuseram núcleos de segregação social que originaram os bairros Chica Chaves, também conhecido como Bairro Industrial e Aribé, mais tarde denominado Siqueira Campos.

Apesar disso, foi com a construção da Praça da Igreja Matriz, em 1862, que se deu o início da expansão da cidade para o oeste. Os menos abastados lideraram essa expansão ao enfrentar alagadiços e mangues da Olaria. Esses indivíduos se estabeleceram em meio a um amontoado de ruas e becos. A partir disso, surgiram as ruas Santo Amaro, Capela, Arauá e Santa Luzia. Portanto, é possível afirmar que os indivíduos segregados tiveram um papel fundamental para a consolidação da conquista da duna, do projeto de Ignácio Barbosa, como afirmou o professor Fernando Porto.

Superado o que parecia impossível, a urbanização aracajuana avançou ao longo dos séculos XIX e XX. No entanto, os seus males de origem continuaram presentes em seu espaço urbano. Aquela que deveria ter sido um símbolo de modernidade e superação das adversidades geográficas manteve em seu perfil a marca da exclusão e segregação socioespacial.

teatro de lama, que marcou a construção da cidade como afirmou Fernando Porto, foi realizado a partir de suor e lágrimas. A urbanização se intensificou a partir dos anos 1960 e alguns fatores foram responsáveis por tal acontecimento; a descoberta de petróleo em 1963 teria dado início ao processo e, através dela, o crescimento urbano de Aracaju.

Com a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e posteriormente com o surgimento da Companhia de Habitação Popular (COHAB) em 1966, a urbanização ganhou novas áreas, pois foi possibilitada a construção de novos espaços residenciais em várias regiões antes desabitadas. Mais três acontecimentos intensificam a urbanização. São eles: a instalação da fábrica de cimento (1967); a transferência da sede administrativa da PETROBRÁS de Maceió para Aracaju (1970) e a instalação do D.I.A (Distrito Industrial de Aracaju), em 1971. Assim, o crescimento urbano de Aracaju se apresentou de forma mais delineada a partir da década de 1980, o que, por si só, é peculiar, pois vai de encontro às características econômicas do país, que, naquele período, vivia a década perdida.

Hoje, 17 de março de 2021, Aracaju completou 166 anos. Muitas histórias e muitas conquistas foram alcançadas pelo povo aracajuano. Ainda temos pela frente adversidades a serem superadas: esgotamento sanitário precário, falta de mobilidade urbana adequada, violência e uma série de outras questões. A história nos mostra que o povo é capaz de superar o impossível. Resta, agora, que os nossos governantes tenham ciência disso e façam jus à dignidade da cidade que eles administram.

Para saber mais:

DINIZ, Jose Alexandre Felizola. Aracaju: síntese de sua geografia urbana. Aracaju, 1963.

FREIRE, Augusto Henrique Monteiro. Urbanização de Aracaju desde sua fundação ate 1995. 1999. 36 f. Monografia (Especialização em Análise Econômica) – Núcleo de Pós-Graduação em Economia, Departamento de Economia, Centro de Ciências Sociais e Aplicadas, Universidade Federal de Sergipe. Documento sergipano.

FRANÇA, Vera Lúcia Alves. Aracaju: Estado e metropolização. 1997. 266 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Campos de Rio Claro. Documento sergipano;

FORTES, Bonifácio. Evolução da paisagem humana da Cidade de Aracaju. Livraria Regina, 1955.

PORTO, Fernando Figueiredo. A cidade do Aracaju, 1855-1865: ensaio de evolução urbana. 2 ed. Aracaju: Governo de Sergipe/FUNDESC, 1991.

RIBEIRO, Neuza Maria Góis. Transformações do espaço urbano: o caso de Aracaju. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Massangana, 1989;

SANTOS, Walderfrankly Rolim de Almeida. Práticas e Apropriações do urbano na cidade de  Aracaju. Dissertação de mestrado apresentada ao Núcleo de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente na UFS, 2007, p. 51-130.

Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/aracaju-uma-cidade-do-impossivel-entre-avancos-e-retrocessos/ em 17/03/2021


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