Ailton Silva dos Santos
Mestre em História (PROHIS/UFS)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
E-mail: ailton@getempo.org
Este é o futuro! É notável que as invencionices e conceitos que outrora, sobretudo nos anos de 1980 e 1990, tomávamos como fantasia há muito que chegaram a nossa porta e tomaram nossas casas; passamos a ser moldados, e pouco moldamos, por suas necessidades e demandas. Esse pensamento é uma constante que costuma emergir entre as pessoas, mas pouco é pensando ou debatido por elas. Todos sentimos o impacto da tecnologia, mas os dias nos tiram o tempo da reflexão sobre esse impacto.
Há duas semanas me deparei com uma publicação avulsa no Instagram que contava sobre um momento de exclusão particular, que envolve a imposição de uma dentre tantas mudanças tecnológicas. No pequeno texto, uma moça contou sobre ter ido em um posto de saúde auxiliar um parente que ainda possuía documentos e registros em papel. Contudo, o órgão público trabalhava com cartão digital, APPS e QR-CODE. A idosa não sabia o que era um QR-CODE.
Frente a isso, considerei que momentos iguais a este costumam ocorrer em diversos órgãos públicos e/ou instituições privadas ao redor do mundo. Pois, os modos de fazer mudaram e os que não se adaptaram são afastados na atualidade do convívio social e profissional.
Entretanto, não escrevo isso como uma crítica à tecnologia ou inovação, pois sou admirador da criatividade e do desenvolvimento. Estas que são pedras chave da capacidade humana que, ao menos acredito, não venham a ser facilmente substituídas pela máquina. Mas, discorro sobre a necessidade de pensar também em nossos anciões, muitos que ainda são arrimos de família, sustentando seus entes com suas aposentadorias ou rendimentos que o trabalho lhes possibilitou e, geralmente, podem ser marginalizados pela renovação técnica. Entrementes, ferramentas como aparelhos domésticos com IA interativa fazem o caminho inverso e promovem acessibilidade não só aos idosos como as pessoas com alguma necessidade especial.
Também há algumas semanas ouvi um grande líder dizer, em resposta a um questionamento sobre a idade dos candidatos para uma vaga de emprego: “não me importa se é algum jovem ou de mais idade, desde que seja competente”. Entendo, sobretudo por conhecer quem disse tais palavras, que ele busca competência não somente no âmbito técnico, mas emocional e interpessoal; estas que são capacidades que não podem ser treinadas pela instituição, tão pouco ainda possam ser mimetizadas por IA’S.
É importante ter em conta, ao longo dos anos de nossas vidas, o respeito por aqueles que vieram antes de nós e moldaram o cenário em que vivemos, dividindo suas experiências. Pois, observamos longe e melhor agora ao nos apoiarmos em ombros de gingantes, seja nas ciências, na cultura ou espiritualidade.
A sociedade e o mercado de trabalho está diferente do que fora há dez, alguns aspectos do ano atual já são diferentes as mesmas características do ano passado. Contudo, as novas organizações e fintechs que lideram as comunicações com suas inovações, cresceram a partir da utilização, criativa e inteligente, de uma experiência que foi adquirida ao longo do tempo. Uma expertise que fora construída por mãos de gigantes que, hoje em dia, estão retraídos, tremulas e podem não estar disfrutando do merecido descanso.
Então, lhes pergunto, e o passado? Respondo dizendo que este não deixa de ser importante e é a matéria prima para construção no presente. O que veio antes arou todo o terreno que serviu de base para a compreensão atual e possibilitou a “sorte” que o horizonte reserva, já que não existe limite para o futuro; este que já arranhou os céus e se dirigi para rasgar também o universo. Mas, para que ele não seja falho e vazio, inclusive de significado, devemos lembrar e honrar os ancestrais e nossas memórias. O que está aí, vicejando e florescendo, para alcançar sua plena capacidade, de maneira eficiente e ética, não deve cercear as próprias raízes.
Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/getempo/por-que-devemos-pensar-o-uso-da-tecnologia-pelos-mais-velhos/ 20/07/2024