Professora Karla Karine de Jesus Silva
Graduada e Mestra em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
Ler-escrever pode ser também uma arte. Para além disso, é a possibilidade do indivíduo de compreender ainda mais o mundo, aumentar as relações, registrar ideais, integrar de forma muito mais ativa a sociedade, dar à sua mente oportunidade de crescimento ilimitado, dentre tantas outras capacidades que cabem nesta descrição. Trata-se, inclusive, de praticidade. Não é à toa que a escrita é considerada, se não a maior, uma das maiores invenções da humanidade. Alfabetizar é tornar alguém leitor, escritor, capaz de alcançar as oportunidades oferecidas por essa “arte”.
Ensinar a ler e escrever não é uma tarefa fácil. Nossos heróis professores bem o sabem. Porém, parece que tem sido ainda mais difícil manter a integridade da escrita para a geração do smartphone, principalmente pós-pandemia. Isso é especialmente evidente entre alunos do Ensino Fundamental 2 da Educação Básica (6º a 9º anos). Para além do déficit no aprendizado e na alfabetização legados pela pandemia da COVID-19 (2020-2023), o tempo gasto no uso de smartphones e a escrita mecânica, resumida, em que se perde as letras e se digita sem qualquer arcabouço gramatical, para atender os anseios de uma interação virtual progressivamente acelerada e imediatista, compromete todo o trabalho do fazer leitor, do fazer escritor, e subsequentemente leitores-escritores.
O resultado disso é um alto índice de escrita ilegível e ideias registradas incompreensivelmente, apresentadas em exercícios, atividades e avaliações. Se a tarefa de extrair o entendimento das construções silábicas e dos argumentos escritos anteriores a essa linguagem digital já era difícil, os profissionais de educação têm se tornado desbravadores nesse novo ambiente. O contato precoce com dispositivos eletrônicos, que assaltam muito mais o tempo dos adolescentes, tem produzido verdadeiros “hieróglifos do século XXI”, já que o vício da tecla interfere incisivamente na forma como as palavras são escritas no papel com uso de esferográfica ou lápis.
Ensinar e discutir sobre o surgimento da escrita, suas mudanças e os efeitos positivos para a humanidade, além do fascínio pela escrita hieroglífica do Egito Antigo e das antigas civilizações do Oriente Médio, sua riqueza de detalhes e rigor na transmissão de informações é esclarecedor. Deparar-se com uma escrita em avaliações e atividades de adolescentes entre 12 e 15 anos de idade, que irônica e criticamente é referida aqui a essa simbologia do passado, mas, sem o primor, a beleza, a legibilidade e a profundidade de ideias dela é desesperador. Enquanto aquela era intencional e engenhosa, esta é preguiçosa e desleixada.
Deveríamos voltar aos cadernos de caligrafia ou a escrita é uma arte, e como tal deve ser livre, desprovida de regras? Mas, quem disse que a arte não tem regras? Difícil dizer qual a regra mais importante seguida pela arte ou se há diversas delas. Talvez, uma certeza, a arte, enquanto forma de expressão, tem propósito. Então, há de se entender que se for “arte”, a escrita desta geração recém-saída da pandemia de COVID-19 conectada ao smartphone precisa de um propósito, que passe pelo menos por um princípio básico: se fazer entender.
Talvez, precisemos de um pouco menos de tempo digitando. Por mais que pareça um clichê, a equação é simples: escola + Estado + família. Os professores são soldados valentes e vorazes nesta batalha de tornar a “arte” de ler-escrever muito além de um “hieróglifo do século XXI”. Entretanto, não são eles os vigilantes do tempo gasto em dispositivos eletrônicos ou os fornecedores de recursos para a melhoria educacional.
Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/getempo/hieroglifos-do-seculo-xxi/ em 06/06/2024