Caroline Moema Dantas Santos
Mestranda em História Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/ UFRJ)
Integrante do Grupo de Estudo do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
Especialista em Ensino de História e Novas Abordagens pela Faculdade São Luís de França (FSLF)
Graduada em História Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)
E-mail: moemadantas.carol@gmail.com
Orientador: Prof. Dr. Dilton Cândido Santos Maynard
Em 1944, compendiando histórias coletadas do folclore alagoano, Graciliano Ramos (1892-1953) entrega ao seu público o livro Histórias de Alexandre, reunindo as fanfarronices de um típico mentiroso. Essa obra foi reeditada postumamente em 1962, com o título Alexandre e outros heróis. Essa produção literária chama a atenção por ser o único livro que teve sua elaboração voltada para o público infantojuvenil. A obra é iniciada com uma breve apresentação dos dois personagens indissociáveis, Alexandre e sua esposa, Cesária; juntos, eles narram os 14 primeiros contos que compõem a obra. Os dois últimos textos, A terra dos meninos pelados e a Pequena história da República, finalizam o livro, porém não contam as histórias de Alexandre.
As histórias que compreendem a obra apresentam um narrador em terceira pessoa, que em todos os contos cede voz narrativa a Alexandre, que, então, passa a contar suas histórias em primeira pessoa. O livro é montado com duas narrativas, uma embutida na outra. Diversos são os personagens que, de forma particular, contribuem com a construção desse enredo. Além de Alexandre, existem: Cesária, sua esposa; Das Dores, rezadeira e afilhada do casal; Seu Libório, cantador de emboladas; Mestre Gaudêncio, o curandeiro; e Seu Firmino, aquele que, apesar de possuir diversas características, era, enfaticamente, definido pelo autor como um homem cego e preto.
Nessa obra, o autor munido de informações, experiências e histórias do folclore popular alagoano, reuniu esses fatores e os transformou em um texto que transporta não só crianças, mas também adultos para um mundo imaginário. De um olho torto que se perde e se acha, Graciliano Ramos, com toda sua genialidade, narra uma história que chama a atenção não só do ponto de vista criativo do autor, mas também pelo recurso da memória que é facilmente compreendido nos contos. O narrador Alexandre utiliza-se da memória durante todo o enredo para contar as histórias de sua adolescência, o que deixa claro a recomposição da vida pela linguagem.
“Um homem cheio de conversas, meio caçador e meio vaqueiro, alto, magro, já velho, que morava no sertão do Nordeste, tinha um olho torto e falava cuspindo a gente, espumando como um sapo cururu”. E assim Graciliano Ramos define Alexandre. O discurso hiperbólico e carregado de ironias do protagonista caracteriza o perfil crítico do escritor o que ajuda a entender melhor a obra.
No conto O olho torto de Alexandre, ele narra as circunstâncias que tornaram o personagem vesgo, ampliando-as com um fator suplementar; ele vê melhor com o olho defeituoso que é o esquerdo (um olho torto e desajustado, porém, como o narrador mesmo evidencia, o que ver melhor as coisas). Já nos contos: A primeira aventura de Alexandre, Histórias de uma bota, Uma canoa furada e A doença de Alexandre, é revelada a consideração e lealdade que Alexandre desfrutava de seus ouvintes.
As outras histórias configuram um animal excepcional: Histórias de um bode, Um papagaio falador, Um missionário, A safra de tatus, Histórias de uma guariba e Moqueca. Aparece também o objeto excepcional verificável nos três contos restantes: O estribo de prata, O marquesão de jaqueira e A espingarda de Alexandre.
É importante destacar que as histórias contadas por Alexandre são marcadas por figuras do contexto social da década de 1930, o que evidencia o perfil da escrita de Graciliano Ramos, baseada na construção de uma identidade regional e oposta à “amnésia” da história social. Mesmo contando com a memória e a oralidade, que por vezes são tão contraditórias, por não conduzirem a uma verdade apaziguadora, o autor utiliza-se de pontos de esquecimento da história oficial; ele constrói com as ideias do presente a experiência do passado.
Dessa maneira, verifica-se a presença do sonho e da realidade que oscilam durante todo o tempo da narrativa, em que o real sempre é superado devido à maneira atrativa como a imaginação é colocada. Os dois últimos contos, A terra dos meninos pelados e A pequena história da República, também contam histórias interessantes, que explicam o contexto sociopolítico da Primeira República no Brasil; todavia, essas histórias possuem outros personagens e narradores.
O protagonista da obra é reinventado em outro contexto por escritores e humoristas brasileiros. Um deles é Chico Anysio, humorista brasileiro, com seu personagem coronel Pantaleão que surge na década de 1970 num programa de televisão nomeado como Chico City. Outra recriação aconteceu na obra Auto da compadecida, de Ariano Suassuna, uma peça teatral escrita em 1955. Essa obra foi utilizada como roteiro para gravação do filme homônimo (2000), na qual o protagonista, Chicó (Selton Mello), tornou-se popular em todo o Brasil contado histórias hilárias.
Em 2007, o livro Alexandre e outros heróis ganhou uma nova edição. A editora Record relançou o livro no formato brochura, com 18 centímetros de altura e largura (lembrando um caderno de desenho infantil) e com a sua nomenclatura inicial do ano do seu lançamento (1944), Histórias de Alexandre. Além disso, há muitas imagens no livro, o que garante o passeio do leitor pelo fascinante mundo de Alexandre.
No ano de 2013, a rede Globo de televisão, em homenagem aos 60 anos da morte de Graciliano Ramos, exibiu, no dia 18 de dezembro, o especial Alexandre e outros heróis, uma adaptação de dois contos do escritor alagoano: O olho torto de Alexandre e A morte de Alexandre. Dirigido por Luiz Fernando Carvalho, contou com o elenco de atores globais: Alexandre (Ney Latorraca), Cesária (Luci Pereira), Libório (Marcelo Serrado, Firmino (Flávio Bauraqui) Gaudêncio (Flávio Rocha), Das Dores, afilhada de Alexandre e de Cesária (Marcélia Cartaxo).
A única obra infantojuvenil escrita por Graciliano Ramos merece lugar de destaque, seja pelo contexto sociopolítico em que a obra está inserida, pela utilização da oralidade para construção da memória ou ainda por sua representação na história desse ramo literário.
Destarte, fica evidente que a obra Alexandre e outros heróis continua sendo uma referência para produções teatrais e cinematográficas. As fanfarronices do típico mentiroso do sertão, Alexandre, o entusiasmo de Cesária e dos outros personagens criados para compor a obra permanecem vivos em nossas memórias, mesmo através de outros personagens, como Panta Leão e Chicó.
Para saber mais:
RAMOS, Graciliano. Alexandre e outros heróis. -53ª ed. ed.- Rio de Janeiro: Record, 2008.
SANTOS, Caroline Moema Dantas. Traços da Oralidade no Texto de Graciliano Ramos: “Alexandre e Outros Heróis” (1938). Monografia (Licenciatura plena em História) – Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão/SE, p. 38. 2010.
Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/alexandre-e-outros-herois-uma-obra-infantojuvenil-do-ano-de-1944/ em 17/02/2022