Prof.ª Dr.ª Andreza S. C. Maynard
Universidade Federal de Sergipe
Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
Em 1943, o lançamento de Perto do Coração Selvagem impactou o meio literário brasileiro. Após ler o livro, o escritor Francisco de Assis Barbosa declarou: “Furacão Clarice”. O sucesso da obra despertou também o interesse e a curiosidade sobre a autora. Perguntava-se “quem é Clarice Lispector?”
A escritora havia nascido em Chechelnyk, na URSS (hoje Ucrânia), em 10/12/1920, e chegou ao Brasil ainda no colo da mãe, juntamente com o pai e as duas irmãs. Eles fugiam da perseguição aos judeus no leste europeu, que aumentou após a 1ª Guerra Mundial. A família se instalou em Maceió, depois partiu para Recife, onde Clarice passou a infância e perdeu sua mãe; por fim, mudaram para o Rio de Janeiro, onde seu pai faleceu, em 1940.
Ainda desconhecida, em 03/06/1942, enviou uma carta ao presidente Getúlio Vargas pedindo que lhe concedesse a cidadania brasileira. Ela se apresentava como uma jornalista, “ocasionalmente russa”, que não sabia “uma só palavra de russo, mas que pensa, fala, escreve e age em português”.
Clarice cursou direito na então Universidade do Brasil e lá conheceu Mauri Gurgel Valente, com quem se casou em 1944 e teve dois filhos, Pedro e Paulo. Seu esposo era diplomata e, em função disso, a família morou em alguns países europeus e mais tarde em Washington, nos EUA.
Ela esteve em várias cidades e países, retornou ao Brasil, mas parecia se sentir uma estrangeira nesse mundo. Essa inquietação em existir e o desejo profundo de encontrar o sentido de tudo está presente em seus escritos. Em geral, seus textos são sobre pessoas que estão se questionando, interrogando a realidade e o mundo como tal.
Clarice trabalhou como tradutora, jornalista e escritora. Além de livros adultos e infantis, publicou contos, escreveu inúmeras cartas e textos para colunas de jornais. Ela foi traduzida para 32 idiomas e publicada em 40 países.
Há muitas histórias curiosas sobre Clarice, incluindo a sua participação no Primeiro Congresso Mundial de Feitiçaria, que ocorreu na Colômbia, em 1975. No poema Contam, de Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto diz que certa vez estavam entre amigos conversando animadamente sobre a morte, mas alguém chegou e mudou o assunto para futebol. Depois de alguns instantes de silêncio, Clarice sugere: “Vamos voltar a falar na morte?”.
A escritora faleceu em 09/12/1977, ou seja, um dia antes de completar 57 anos. Em 2020, Clarice completaria 100 anos e a data foi marcada pelo lançamento de coleções especiais de sua obra e diversas homenagens, como a publicação de uma página sobre ela no New York Times, como parte do projeto Overlooked.
A filha de pobres imigrantes judeus se tornou uma escritora conhecida, além de ter ganhado fama de glamorosa e emblemática. E mesmo que a pergunta “quem é Clarice Lispector?” continue a ecoar em 2021, a resposta depende de quem tenta decodificá-la.
O “enigma Clarice Lispector” é mencionado por vários autores, inclusive pela própria escritora. Em uma coluna, ela escreveu sobre a visita que fez à Esfinge, quando esteve no Egito, em 1946: “Eu não a decifrei, mas ela também não me decifrou. Ela me aceitou, eu a aceitei. Cada um com seu próprio mistério”.
Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/a-esfinge-e-clarice-lispector/ em 10/12/2021