Maria Luiza Pérola Dantas Barros
Doutoranda em História Comparada (PPGHC/UFRJ)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
E-mail: perola@getempo.org
Entre outubro e novembro de 1942, a polícia de Sergipe trabalhava em conjunto com a da Bahia e a de Maceió para ouvir as testemunhas do caso de Nelson de Rubina, rapaz que retirara meses antes, em agosto, três anéis de um dos cadáveres das vítimas dos torpedeamentos pelo U-507, no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Naquele momento, a narrativa sobre um sergipano que se dirigiu às nossas praias e retirou joias de um dos corpos vitimados já estava circulando em nossa sociedade e em estados vizinhos. Mas quem era o tal Nelson de Rubina?
Horácio Nelson Bittencourt, ou simplesmente Nelson de Rubina, como era popularmente conhecido, se apresentava como um comerciante de artigos diversos. Ele era filho de Horácio Nelson Bittencourt e Rubina Santos, natural de Maruim, com 39 anos de idade quando foi preso e processado por furto e vilipêndio ao cadáver de Virgínia Auto de Andrade, esposa do então Procurador do Tribunal de Segurança Nacional, Gilberto de Andrade. Muitos sergipanos mais velhos podem lembrar dele, numa associação à sua mãe ser a conhecida Dona Rubina, proprietária de um hotel que levava o seu nome e que tinha a fama peculiar de abrigar meninas vindas do interior para integrarem a vida de prostituição em Aracaju. Mesmo que essa última informação não seja oficial, ela ajuda a pensar a imagem de um homem que, em pleno momento em que o trabalho era valorizado como um dos pilares a compor a ideia de homem novo proposta pelo governo ditatorial de Getúlio Vargas, já tinha sido processado por “viver às custas de mulheres da vida” e que, em idade economicamente ativa, passava as suas manhãs na Praça do Palácio, ouvindo as informações que chegavam, a exemplo das notícias dos torpedeamentos.
É possível dizer que Nelson de Rubina se confere em mais um personagem complexo a integrar a história da nossa cidade, do nosso estado. Para as testemunhas que depuseram no decorrer das investigações em torno do furto dos anéis, a imagem de Nelson de Rubina seria paradoxal. Ora ele seria alguém de índole duvidosa, pois, de acordo com os testemunhos contidos em sua Apelação Crime, já teria sido preso e não costumava honrar com os “compromissos” assumidos; ora Rubina seria um rapaz direito, descente, de bom procedimento e com amizades em todos os grupos sociais, que incluía até mesmo a Polícia de Alagoas.
Para as autoridades que investigavam o caso, Rubina era alguém sagaz e extremamente habilidoso com as palavras, capaz de fazer desaparecer elementos de sua culpa, sendo inclusive capaz de fugir para não ser condenado por um crime que já estava, para eles, “plenamente provado”.
Já o próprio Nelson de Rubina, principalmente em seu primeiro depoimento às autoridades em 23 de novembro de 1942, tentava se apresentar como ingênuo, que fora à praia naquela ocasião por pura casualidade, e que, apesar de protestos unânimes dos que o acompanharam, entregou todos os achados à polícia, e só não fez o mesmo com os anéis porque os demais companheiros não permitiram. Ele também tentava demonstrar a todo momento ser um comerciante de bem, com boa índole, casado, acima de qualquer suspeita, e que possuía boas amizades.
Já para nós, 82 anos após o ocorrido, pode-se dizer que Nelson de Rubina acaba por manifestar, mesmo que inconscientemente, uma parte da cultura brasileira que valoriza o lucro fácil e sem esforço que o governo de Vargas não conseguiu moldar.
Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/getempo/o-senhor-dos-aneis-em-aracaju/ em 07/11/2024
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