Ailton Silva dos Santos
Mestre em História (PROHIS/UFS)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
E-mail: ailton@getempo.org
Ao ter a literatura como fonte de pesquisa, o historiador deve se questionar sobre qual método será utilizado para tal abordagem. Dentre os paradigmas da história, a História Cultural permite uma gama de interpretações cabíveis ao objeto de estudo, permitindo que obras de ficção, e filmes baseados nessas narrativas, sejam amplamente utilizados como fontes. Podendo escolher seu tema de pesquisa em praticamente qualquer âmbito da experiência humana. Se apropriando de materiais criados por outrem, o historiador desenterra a fonte de sua própria obra, que é construída através da crítica e análise da fonte, e monta o quadro a ser exposto em sua escrita.
Portanto, o historiador não age tal como um analista e/ou crítico literário, embora se sirva do método investigativo tal qual um detetive a decompor uma cena de crime a fim de tecer uma colcha de fatos. Ele estabelece um novo paradigma, uma nova história, essa que lhe sirva ao situar o objeto em seu próprio tempo.
Essa reflexão não nos serve para teorizar e/ou discutir quais seriam os limites da ficção e da não-ficção como fonte histórica, sim para esclarecer um dos caminhos que podem ser trilhados a partir da utilização de uma fonte claramente ficcional.
Falando sobre o cyberpunk, subgênero da ficção cientifica que tomamos de exemplo para esse texto, é um erro reproduzir que a ficção cientifica teria sido iniciada no século XIX com a obra Frankestein (1818) de Mary Shalley (1797 – 1851). Pois, temos vestígios de escritas anteriores ao livro da escritora britânica. Em busca de uma origem podemos retornar a Johannes Kepler (1571 – 1630) e sua obra Somnium (1611) que é apontada como a primeira produção do gênero.
No entanto, para Isaac Asimov (1920 – 1992), não é mera coincidência que o primeiro romance sobre ficção cientifica, acreditando ser Frankestein, tenha surgido no início do século XIX na Inglaterra, local onde teve início a Revolução Industrial, já que o livro apresenta uma perspectiva sombria em relação à moralidade cientifica da época.
Com o decorrer dos anos, em quase todo o século XX, a questão polêmica da criação da vida pelo homem – sejam clones, inteligências artificiais ou androides – e a busca desenfreada do conhecimento como caminho para felicidade, torna-se uma temática recorrente nesse gênero literário que explora os limites da ciência e da capacidade de criação/destruição humana. Nesse contexto, o cyberpunk difere bastante da ficção de Júlio Verne (1828 – 1905) ou Isaac Asimov, por exemplo. Ambos os escritores trilharam caminhos românticos, apontando novas fronteiras e a conquista do espaço, seja a partir do desbravamento de lugares exóticos, como o centro da terra ou o fundo do oceano, ou através do desenvolvimento da robótica e/ou confronto entre o homem e a máquina.
Comparando os escritores supracitados, e outros que se seguiram até o surgimento do cyberpunk, podemos notar que autores cyber maníacos foram, provavelmente, a primeira geração de escritores de ficção cientifica que cresceram em um mundo de ciência-ficção verdadeiramente aplicado. Pois, situado no período histórico da Guerra Fria, os escritores cyberpunks absorvem a tensão militar e pessimista do cenário, transportando esse sentimento distópico para suas escritas de dano e dominação, seja política, midiática ou institucional.
Vivendo no momento histórico onde o observado na ficção e na sociedade, através do avanço tecnológico, permitiu uma projeção no futuro de um passado que é observado no presente. Pois, o que se estava em voga não era acertar sobre o desenvolvimento ou aplicação de certa tecnologia, mas observar o que a ciência os permitia viver e imaginar. Portanto, os autores cyberpunks atuam nos domínios da comunicação, da informática, estão nos guetos, bares e boates. Imaginam, através do presente, e transcrevem suas impressões em linhas históricas através da ficção.
Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/getempo/espacos-e-fronteiras-do-cyberpunk/ em 19/09/2024