Maria Luiza Pérola Dantas Barros
Doutoranda em História Comparada (PPGHC/UFRJ)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
E-mail: perola@getempo.com
Pensar em uma definição para o termo revolução, para alguns, envolve a ideia da luz vitoriosa das trevas, da vida renascendo do seio da morte, do mundo reconduzido ao seu começo, a partir de uma transformação a longo prazo cujos eventos e estruturas atingem profundamente o nosso cotidiano. Uma ruptura com a história, a partir da passagem de uma ordem política para outra, visando mudar o homem e o mundo para melhor. Por isso, não é aleatório nominar de revolução (ou mesmo de processo revolucionário) o que se passou na França a partir de 14 de julho de 1789 até meados de 1799.
A Europa do final do século XVIII situava-se num contexto do Antigo Regime, uma sociedade de privilégios e ordens e, acima de tudo, de impostos, marcada pelo absolutismo monárquico, conhecido pela capacidade de centralizar o poder nas mãos do soberano e transformar a economia em um problema nacional, que vigorou por séculos e foi responsável pelo acúmulo inicial de riquezas por parte da burguesia e sua posterior insatisfação. Esse mesmo século viu florescer o Iluminismo, com a defesa tanto do primado da razão para se alcançar o entendimento quanto das liberdades (política e econômica) e igualdade jurídica.
A França, no decorrer do século XVIII era, paradoxalmente, a nação mais importante e mais contraditória da Europa continental: era agrária com uma indústria nascente, porém notável; o comércio quadruplicou após a morte de Luís XIV e, em 1788 movimentava mais de um bilhão de libras; os portos floresciam e a população crescia; porém o sistema em que se vivia no país não acompanhava tal efervescência econômica. A sociedade francesa era dividida em estamentos, sendo o povo aquele que sustentava a máquina estatal.
No final do século XVIII, as mudanças econômicas na França, em virtude das consequências de desastres naturais, fizeram aflorar as contradições existentes de uma nação que progredia economicamente, porém era dominada por privilégios destinados a poucos, enquanto a maior parcela da população vivia um clima de insegurança e privação de salários, sendo o Estado completamente incapaz de resolver a situação.
Entre 1715 e 1789, a opinião pública se volta contra o regime. As ideias iluministas e do submundo literário (os Rousseaus da Sarjeta) passam a circular com maior intensidade em panfletos, jornais, almanaques, cartazes, incitando o povo contra o regime. Eram sátiras e boatos que davam feições ao descontentamento e visavam desmoralizar o rei e a rainha apresentando-a como sanguinária, voraz, degenerada, por exemplo.
Diante desse cenário de crise, a situação piorou com a proposta de mais impostos e com as tentativas do rei de dissolver a Assembleia Nacional Constituinte. O povo se mobilizou nas ruas, invadiu arsenais do governo, apoderou-se de armas e tomou a Bastilha. Vale mencionar que esta era um símbolo do absolutismo monárquico, uma prisão política que, ao ser tomada, serviu de marco para o processo revolucionário que se desenrolaria a partir de então na cidade e no campo, fazendo a agitação ocupar as ruas. Mas como a revolução se deu a conhecer? Como a apresentaram? Depende muito da perspectiva pela qual ela era observada.
A propaganda contrarrevolucionária, por exemplo, atuou buscando mobilizar e sensibilizar a opinião pública europeia, principalmente após a morte do rei, em janeiro de 1793. Artistas franceses refugiados em Londres, ou mesmo ingleses, apresentavam as desventuras da família real. Representações fantásticas sobre a guilhotina, que faria cair 28 cabeças em cinco minutos, passaram a ser veiculadas a partir de uma estamparia alemã. Memórias e narrativas de viagem circulavam pela Europa disseminando o que se passava naquela França revolucionária.
Havia também os adeptos à revolução, que passaram a formar grupos ativos, principalmente entre 1790 e 1792, engajados na expansão revolucionária jacobina. Era a época de entusiasmos e dos clubes (na Bélgica, na Holanda, na Suíça, na Itália, por exemplo). O fato revolucionário tornava-se conhecido por esses clubes, por sociedades ou lojas, mas também pelos escritos, pela imprensa e pelas imagens que circulavam. Era uma revolução de ideias!
As imagens, naquele contexto, funcionavam como grandes condensadores do ideal revolucionário, pela utilização de um conjunto de símbolos que indicavam associação/adesão ao novo regime. O barrete vermelho associado à República, à liberdade, ao tempo de transformações que se vivia, ou mesmo a cocarda tricolor, o altar patriótico e a árvore da liberdade, naquele momento, se tornaram símbolos da adesão às ideias revolucionárias por possibilitarem uma rápida compreensão por parte da população analfabeta.
Da expressão literária à tradução gráfica, a história da Revolução Francesa forneceu ao século XIX toda uma série de temas, de personagens e chegou até nós por essa memória construída ao longo dos séculos, servindo de matriz para as revoluções nacionais e liberais que se seguiriam pelo mundo, a partir da noção de que a História pode ser transformada pela ação dos povos.
Para saber mais:
COGGIOLA, Osvaldo. Novamente, a Revolução Francesa. Projeto História. São Paulo, n.47, ago. 2013, p.281-322.
DARTON, Robert. Boemia literária e revolução. São Paulo: Cia das Letras, 1989.
MAYNARD, Andreza Santos Cruz; MAYNARD, Dilton Cândido Santos. História Moderna I. São Cristóvão: CESAD, 2009.
HOBSBAWM, Eric. A Revolução Francesa IN A era das revoluções: Europa 1789-1848. Trad. Maria Tereza L. Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p.71-94.
Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/getempo/a-revolucao-francesa-uma-revolucao-de-ideias/ em 11/07/2024