Maria Luiza Pérola Dantas Barros
Doutoranda em História Comparada (PPGHC/UFRJ)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS/CNPq)
E-mail: perola@getempo.org
Historiadores costumam aferir o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) à invasão da Polônia pela Alemanha, em 1 º de setembro de 1939, mesmo não existindo uma declaração formal de guerra. Daquele dia em diante, o mundo presenciaria, em maior ou menor proporção, o conflito atingir todas as instâncias conhecidas, como a economia e o cotidiano, por exemplo, e a moda não ficaria de fora.
Para alguns considerada como o reflexo de tudo, inclusive da cultura, a moda não tardaria a conhecer os impactos da guerra, divulgados no Brasil, no decorrer do conflito em periódicos ilustrados como a Revista da Semana.
Fundada em 1900, por Álvaro Tefé no Rio de Janeiro, a Revista da Semana se autointitulava o primeiro semanário ilustrado do país que buscava levar ao público da classe média aspectos diversos: cotidiano, literatura, esportes, moda, política, arte e cultura, tendo por pretensão ser um informativo ilustrado e popular.
Não tardou para a Revista da Semana começar a divulgar notícias sobre o conflito. Na página 36 da edição de 09 de setembro de 1939, já era possível ver um mapa acompanhado de um texto sobre “A guerra na Europa”, buscando situar os leitores no cenário mundial.
Antes de cair sob o domínio nazista, em maio de 1940, Paris era considerada como a capital da moda por excelência e acabava ditando o que era ou não tendência. Modelos intitulados “Croquis do front”, com desenhos de G.Pavis da França heroica, publicados na revista VU, circulavam entre os leitores brasileiros na edição de janeiro de 1940 da Revista da Semana. Nesse período ainda, o periódico trazia uma secção intitulada “Chronica de Paris” que, recorrentemente divulgava modelos de roupas femininas que visavam ao conforto e à sobriedade, justificando que “circunstancias actuaes impõem uma redução no numero dos modelos apresentados nas collecções” (Edição de 27/04/1940).
Em virtude daquelas “circunstâncias atuais”, a moda viu-se obrigada a limitar-se, reduzindo o número de modelos das coleções que eram lançadas, adotando um feitio mais simples nas roupas produzidas, buscando evitar excentricidade, num tom sóbrio e equilibrado, levando em consideração a dolorosa realidade da guerra; porém, sem renunciar ao requinte, conforme explicitam as edições de 1941 e 1942 da Revista da Semana.
Esse requinte, ou mesmo a elegância feminina, precisou adaptar-se a todo momento no decorrer da guerra, tanto em virtude dos inúmeros racionamentos impostos pelo período, como em prol de uma economia de guerra tendo em vista a vitória final. Exaltava-se, por exemplo, na edição de 01 de maio de 1943, que a mulher “aprendeu que com pouco pode aparentar muito. Isso sem afetar de nenhum modo a distinção e o charme pessoal” (p. 39). Aconselhava-se a adotar acessórios para suprir o déficit de vestidos no guarda-roupa feminino; passou-se a associar o ser uma boa dona de casa com o saber cortar os próprios vestidos, costurar as roupas das crianças, fazer os próprios chapéus e bolsas; os vestidos ou ficaram mais curtos ou ficaram sem mangas, ou perderam a amplitude e passaram a ser feitos de tecidos menos nobres; conchas, palha ou mesmo vidro passaram a compor os acessórios, por serem mais econômicos, já que o metal era destinado à guerra.
O racionamento ditou a moda: tecidos com novas composições eram lançados, por exemplo nos Estados Unidos, tendo por composição fibras de leite, pelo de cabra e lã, para substituir os tecidos feitos totalmente de lã. As meias de nylon foram substituídas pelas de algodão. A palavra de ordem era economia.
Essa moda nascida na guerra sofreria forte inspiração militar, a exemplo da “pequena colecção de tempo de guerra” que seria o “triumpho da inteligência e dum sentido agudo da actual realidade”, divulgada pela Revista da Semana na edição de 24 de fevereiro de 1940. Ao longo do conflito, a moda esboçaria suas feições militares, com acréscimos de estampados nacionalistas, estrelas, listras, o “V” da vitória, proclamando assim a influência dos aliados; além de modelos inspirados em fardas militares, com ombros retos e o uso de boinas alusivas ao General Montgomery. A guerra acentuaria ainda a premência das blusas, “fáceis de se adaptar às jaquetas de uniformes” (Revista da Semana, 05/12/1942, p. 38). Num afã pela simplificação, até os penteados foram modificados e adaptados ao estilo masculino no decorrer do conflito, conforme divulgava o periódico.
Em abril de 1942, o periódico em questão mencionaria que a “moda aproveita-se de tudo até das coisas mais tristes para fazer novos modelos” (p.36), para citar a mudanças vindas, por exemplo, com as noites de blackout. “Agora a última novidade são os modelos de blackout, quando as cidades teem de ficar ás [sic] escuras, para não esbarrarem as pessoas nas ruas, usam qualquer coisa branca para destacar na escuridão” (Revista da Semana, 11/04/1942, p. 36). Ainda sobre isso, na edição de fevereiro de 1944, a Revista da Semana divulgaria a criação de John Frederics, famoso desenhista de chapéus com modelos que eram luminosos à noite e visíveis na mais profunda escuridão, tendo em vista evitar “acidentes de toda a natureza que entravam os esforços de guerra” (p. 41 a 43).
O interessante é notar que, mesmo com o fim do conflito, seus ecos ainda se fariam sentir na moda; a exemplo do “Modelo Atômico”, alusão ao dinamismo, à velocidade, ao extravagante, divulgado na edição de 27 de outubro de 1945 da Revista da Semana. Periódicos como esse nos possibilitam hoje termos uma ideia de como o pior conflito do século XX marcou o cenário da moda, por exemplo, e como isso era divulgado na sociedade brasileira da época.
Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/getempo/a-moda-em-ritmo-de-guerra-um-olhar-para-a-revista-da-semana/ em 25/01/2024