Anita Lucchesi
Pesquisadora em Pós-doutorado no Centro de História Contemporânea e Digital da Universidade do Luxemburgo (C²DH/UNILU)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)
anita.lucchesi@uni.lu
A Era Digital tem testemunhado o boom do desenvolvimento de ferramentas voltadas para a pesquisa, organização e interpretação de dados. Recentemente, nesta coluna, foi discutida a emergente polêmica em torno da Inteligência Artificial, destacando, por exemplo, a tecnologia do ChatGPT. Na coluna de hoje, falaremos de uma ferramenta ainda menos popular que os robôs de Inteligência Artificial que vão de moda agora, mas que promete ajudar pesquisadores a organizar e explorar seus arquivos de imagem (fotos de documentos digitalizados, por exemplo) de forma consistente sem perder informações contextuais importantes para o tratamento da documentação.
A ferramenta em questão trata-se do gerenciador de fotos de pesquisa chamado Tropy, que é um software de código livre e aberto e, portanto, completamente gratuito. O software foi nomeado dessa forma em inglês a partir de uma brincadeira com o termo entropy ao qual Tropy se quer firmar como antônimo; a tradução de entropy que utilizamos em Português é “entropia”, a grandeza termodinâmica que mede o grau de liberdade molecular de um sistema, geralmente associada ao caos e à desordem. Já dá algumas pistas, não é? A ferramenta foi desenvolvida por pesquisadores e desenvolvedores tendo em mente a pesquisa arquivística dos dias de hoje, marcada pela maior facilidade de acesso e cópia de documentação, seja pela possibilidade de o pesquisador fotografar diretamente os documentos que lhe interessam ou pelos grandes projetos institucionais de digitalização que ampliaram de forma substancial e mundialmente o acesso à documentação de arquivo. Tropy promete retirar o pesquisador do caos que assola seus computadores depois de uma visita ao arquivo, fotografando documentos ou – atingindo volumes ainda maiores – alguns minutos baixando itens de coleções já disponíveis na Internet.
No início dos anos 2010 e logo antes do Tropy ser desenvolvido, Roy Rosenzweig, um dos historiadores que se tornou referência para os estudos de História Digital nos Estados Unidos, já refletia que essa abundância era importantíssima para os historiadores, mas também alarmante. Ele chamava atenção para a urgência dos historiadores pensarem simultaneamente nas atividades de pesquisa, escrita e ensino considerando uma “abundância histórica” inédita que deveria suscitar também o debate acerca de como evitar um futuro de escassez de dados. Com tal advertência sobre o risco da escassez de dados, esse historiador não só assinalava a necessidade de pensarmos nas estratégias para a preservação dos arquivos digitais, mas também sobre a necessidade de concebermos formas adequadas para coletar, explorar e guardar essa massa documental, cujo crescente volume elevava a tarefa para uma escala cada vez mais humanamente inviável. Um dos riscos que Rosenzweig e outros chamaram atenção é o problema acerca da perda de contexto dos artefatos culturais e documentos em meio digital, devido à facilidade de reprodução e transmissão que, muitas vezes, deslocam conteúdos para fora de seu contexto, isto é, aquele arquivo ou mídia não é sempre acompanhada pelos famosos “metadados” (informação sobre a informação), tão relevantes para o tratamento arquivístico das documentações. Sobre os dados disponíveis em ambiente digital, os historiadores Andreas Fickers e Pelle Snickars, ambos estudiosos da relação da história com a mídia e o digital, já utilizaram em ocasiões diferentes uma expressão que ilustra bem o dilema que temos pela frente: “se o conteúdo é rei, o contexto é sua coroa”.
Como uma ferramenta digital projetada especificamente para gerenciar e anotar imagens digitais, o Tropy se apresenta como um meio para contextualizar, ordenar e explorar as fontes digitalizadas de maneira mais eficiente. O Tropy foi desenvolvido inicialmente no Centro para História e Novas Mídias Roy Rosenzweig (RRCHNM, George Mason, EUA) e foi apresentado pela primeira vez como uma versão beta em 2016. Atualmente, seu desenvolvimento é um esforço conjunto entre o RRCHNM, o Centro de História Contemporânea e Digital de Luxemburgo (C²DH, Universidade do Luxemburgo) e a Digital Scholar, uma corporação sem fins lucrativos que opera outros projetos de gerenciamento de dados e publicação na Web, como Zotero, Omeka, PressForward e Sourcery App. O desenvolvimento dessas ferramentas foi, de alguma forma, impulsionado pela crescente demanda por suporte com práticas e tecnologias de gerenciamento de informações, um contínuo dilema nos domínios da Biblioteconomia e da Ciência da Informação.
Apesar de ser desenvolvido tendo em vista essa abundância de que falávamos e de ser fruto de iniciativas advindas de centros voltados para a História Digital, o Tropy é uma ferramenta não só para historiadores digitais que trabalham com grandes volumes de fontes, mas para qualquer profissional que necessite organizar registros em imagens no seu dia a dia, como fotógrafos, designers, antropólogos, entre outros. A ferramenta é muito intuitiva, fácil de usar e seus recursos permitem que os usuários personalizem seu processo de gerenciamento de dados ao mesmo tempo que mantém a padronização do tratamento das informações sobre essas imagens por meio de modelos de metadados padrões (como o DublinCore) ou customizáveis, contando com inúmeros vocabulários controlados já adicionados e a possibilidade de instalar novos conforme a necessidade do usuário. Além disso, a função Pesquisar permite buscas rápidas que vasculham todas as informações de um projeto Tropy, percorrendo metadados, notas e etiquetas.
No primeiro semestre de 2023, a equipe do Tropy (da qual faço parte no momento em que vos escrevo) lançou uma atualização (Tropy 1.13 em diante) que, além de diversas melhorias no desempenho e design (veja as notas de lançamento completas aqui), também acrescentou o português brasileiro (PT-Br) entre os idiomas da interface do usuário. A instalação do Tropy é tão simples quanto instalar um novo navegador em seu computador e a curva de aprendizado para começar é mínima. O canal Tropy do YouTube dá dicas para quem está começando e em breve contará também com conteúdos em português. Por enquanto, recomendamos, em inglês, o vídeo Getting Started with Tropy (apenas 5 minutos e também disponível em espanhol). Em caso de dúvidas, vale a visita aos fóruns do Tropy, nos quais as perguntas da comunidade são respondidas pela equipe de desenvolvedores e educadores envolvidos e podem ser triadas por tópicos.
Espero que essa dica seja útil. Boas pesquisas a todes!
Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/getempo/tropy-ferramenta-gratuita-de-gerenciamento-de-fontes-digitalizadas/ em 22/06/2023