Michele Morgane de Melo Mattos
Doutoranda em Educação pela UFF
Membro do GRUPEPE-UFF e colaboradora do NÚPITA -UFS
A Organização das Nações Unidas estabeleceu o dia 02 de abril como o Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo. Neste ano de 2023, as principais campanhas do país definiram como lema: “Autismo: mais informação, menos preconceito”, algo oportuno no enfrentamento aos capacitismos e preconceitos contra pessoas com autismo.
Mas o que poderíamos chamar de termos e discursos capacitistas e preconceituosos? Eis aqui alguns exemplos: “Nem parece que é autista. Anjo azul. Ele/a é especial. Veio ao mundo para me tornar uma pessoa melhor. Tem um probleminha, é doentinho. Tem inteligência acima da média. Não consegue aprender nada. Qual é o grau de autismo? Eu tenho 25 alunos e dois autistas. Na escola, o importante para as crianças autistas é a socialização”.
Discursos como esses se propagam pela sociedade como se fossem verdades e se sobrepõem ao conhecimento científico. Por quê?
A sociedade, que se guia sob a égide do capital e de seus valores, não incentiva o pensar, pelo contrário, induz à racionalidade superficial, por meio de pensamentos estereotipados e da necessidade de respostas imediatas. Assim, eis uma contradição social: embora estejamos na era do conhecimento, na sociedade, impera o conhecimento superficial em detrimento de uma reflexão teórica, favorecendo a formação de conceitos antecipados e infundados.
A diluição das diferenças entre os indivíduos é parte da lógica social, que enfatiza o ser-igual por meio da adaptação social dos indivíduos. Como nem sempre as pessoas autistas se adaptam à lógica social, são consideradas desviantes do padrão estabelecido; por isso, são vistas como especiais, excêntricas, anormais, sobretudo, aquelas que têm mais necessidades de suporte. Até mesmo as diferenças entre as pessoas que estão no espectro autista são desconsideradas porque não são vistas em sua essência nem em sua individualidade, mas sim o que se sobressai é o autismo.
Termos pejorativos e capacitistas direcionados às pessoas autistas como anjos ou especiais lembram o termo efant fada – criança fada, comum na França, no início do século XX. As origens desse termo francês, possivelmente, remontam ao folclore de países europeus e asiáticos, recolhido pelos irmãos Grimm, na história pré-científica: meninos com um ou dois anos de vida eram raptados pelas fadas ou duendes, sem que suas mães percebessem, pois colocavam outra criança em seu lugar com as mesmas características físicas. Porém, tornava-se visível com o tempo que não se tratava da mesma criança pelo seu comportamento. Somente quando a mãe colocava a criança perto do fogo e cozinhava cascas de ovo, o duende ou fada devolvia o menino raptado. É curioso o fato de a história referir-se aos meninos e à idade de um a dois anos, fase em que o autismo se manifesta.
Cabe também ressaltar que o autismo não é uma deficiência – porém, à pessoa com TEA são estendidos os direitos das pessoas com deficiência – trata-se, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), de um dos transtornos do neurodesenvolvimento que se caracteriza por comprometimentos na comunicação social e na interação social, além de padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades. Essas características estão presentes desde o início da infância e limitam ou prejudicam o funcionamento diário. O estudo do Center for Disease Control and Prevention sugere que há uma em cada 36 crianças de 8 anos, sendo 3,8 vezes mais prevalente entre os meninos do que entre as meninas. Isso não invalida o diagnóstico de autismo em meninas ou mulheres.
Com os avanços das pesquisas sobre o autismo, o diagnóstico, atualmente, é mais preciso e, consequentemente, as intervenções se iniciam mais cedo, possibilitando o desenvolvimento da pessoa com autismo e maior qualidade de vida. O acesso, a inclusão e a participação em todas as esferas da sociedade são direitos também dessas pessoas; para isso, a estrutura social voltada para um padrão deve ser modificada. Logo, não é a pessoa autista que deve se adaptar aos diferentes contextos sociais, como escolas e universidades, por exemplo, mas sim os contextos sociais que devem ser alterados para atender às demandas da diversidade humana.
Mesmo com a instituição da educação como um direito humano e com os progressos das políticas de educação inclusiva no país, escolas e universidades ainda não são acessíveis às pessoas com autismo porque ainda preveem a padronização de estudantes e desconsideram a diversidade humana.
Portanto, em tempos de propagação de preconceitos e pensamentos estereotipados, é fundamental conhecer o autismo e entendê-lo como uma neurodiversidade. Pelo enfrentamento e superação do preconceito perpassa a promoção de experiências inclusivas na sociedade que possibilitem o acesso e participação da pessoa com autismo nas diversas arenas sociais e, sobretudo, o respeito à sua condição neurodiversa. Somente superando a padronização dos indivíduos imposta pela sociedade sob a égide do capital e considerando as suas diferenças como próprias da diversidade humana é que teremos menos capacitismos e menos preconceitos. Para isso, informação é fundamental.
Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/getempo/autismo-mais-informacao-menos-preconceito/ em 06/04/2023
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