Paulo Roberto Alves Teles
Professor Doutor em História Comparada (UFRJ)
Ao longo dos dois séculos que nos separam do dia 07 de setembro de 1822, assistiu-se à elaboração de projetos políticos que transformaram o Estado brasileiro em um instrumento de interesses dos grupos dominantes do poder. O país construído não foi edificado para o povo, mas sim para um segmento que visava mudar sem alterar, romper sem transformar, deixar de ser colônia, mas manter a colonialidade.
Utilizamos aqui a ideia de colonialidade como a manutenção de estruturas socioeconômicas excludentes expressas pela discriminação racial e pela concentração de renda, responsável por diversos indicadores. Os números impressionam; tomemos nota de alguns deles: ocupamos a posição 84ª no ranking de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), atrás do Chile (43º) e da Argentina (46º); de acordo com o Laboratório das Desigualdades Mundiais, os 10% mais ricos possuem o equivalente a 59% da riqueza, sendo que esses mesmos 10% possuem aproximadamente 80% do patrimônio privado do país.
Em termos sociais, o que assistimos é a uma sociedade que foi da escravidão para uma espécie de neoescravismo, vide toda resistência à aprovação de leis trabalhistas, sendo o caso mais enfático a tardia aprovação da Lei Complementar 150 de junho de 2015, também conhecida como a PEC das domésticas, já alterada pela Reforma Trabalhista de 2017 (Lei 13.467/2017).
O Estado brasileiro, muitas vezes, atuou como veículo para sabotar quaisquer iniciativas que almejassem interferir ou minimizar as estruturas colonizantes. Não é de se estranhar que nossa história tenha sido marcada por golpes que, em essência, impuseram a manutenção dos aspectos históricos e estruturais de uma sociedade. Os anos 1889, 1937, 1964 e, por que não? 2016 representaram essas intenções.
Em 07 de setembro de 2022, o bicentenário da nossa independência política foi completado. No entanto, a nossa emancipação real, infelizmente, ainda não aniversariou. É preciso sim bradar “Independência ou morte”; todavia, enquanto não houver políticas públicas reais de combate ao racismo e à discriminação étnica, milhares de jovens negros e indígenas continuarão morrendo. Pois ainda que haja iniciativas de combate à pobreza, enquanto não houver uma mudança estrutural das condições marginalizantes, a fome continuará matando. Que os próximos duzentos anos permitam que aqueles que comemorarem essa data possam celebrar a vitória da luta contra a colonialidade e a nossa real emancipação.
Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/getempo/independencia-ou-morte-qual-pais-desejamos-construir/ em 08/09/2022
Postagens Relacionadas
Os espaços de lazer de Aracaju em tempos de guerra
Maria Luiza Pérola Dantas Barros Doutoranda em História Comparada (PPGHC/UFRJ)Integrante do Grupo de…
Espaços e fronteiras do Cyberpunk
Ailton Silva dos Santos Mestre em História (PROHIS/UFS)Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Prese…
Cyberpunk: uma perspectiva pós-moderna
Ailton Silva dos Santos Mestre em História (PROHIS/UFS)Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Prese…