Liliane Costa Andrade
Doutoranda em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal de Sergipe (GET/UFS/CNPq)
Orientador: Dr. Dilton C. S. Maynard (DHI/ProfHistória/UFS – PPGHC/UFRJ)
E-mail: liliane@getempo.org
A Segunda Guerra Mundial teve início no dia 03 de setembro de 1939, após a Inglaterra e a França declararem guerra à Alemanha nazista, que, dois dias antes, iniciara o processo de invasão à Polônia. No cinema, entretanto, podemos considerar que o conflito começou um pouco antes. Isso porque, no início daquele ano, Hollywood já realizava movimentações contrárias ao regime liderado por Adolph Hitler.
Dois projetos estavam sendo desenvolvidos no âmbito da maior indústria cinematográfica no mundo: o primeiro filme era uma sátira contra Hitler e Benito Mussolini (líder do fascismo na Itália), idealizada por Charles Chaplin; o segundo era um filme de espionagem, desenvolvido pela Warner Brothers.
Enquanto o filme de Chaplin (O Grande Ditador) só foi lançado no ano seguinte pela United Artists, a produção da Warner passou a ser exibida três meses após o início das suas filmagens, em 06 de maio de 1939. Desse modo, Confissões de um espião nazista consolidou-se como sendo o primeiro filme de propaganda antinazista lançado por um grande estúdio de cinema. A trama, baseada em fatos, gira em torno de uma rede de espionagem nazista que atuava nos Estados Unidos e que acabou sendo descoberta pelo FBI.
Dali em diante, várias outras películas de cunho antinazista foram lançadas no decorrer da II Guerra. Do ponto de vista mercadológico, por se tratar de um tema atual e que tanto afetava a vida das pessoas, o nazismo acabou atraindo a atenção de Hollywood. Do ponto de vista político, esse tipo de filme atuava como uma ferramenta eficaz na propagação de opiniões contrárias ao Terceiro Reich, como foi o caso de Confissões de um espião nazista.
Apesar do seu pioneirismo, a película da Warner demorou a ser vista em algumas localidades, a exemplo do Brasil. No país governado por uma ditadura – Estado Novo (1937-1945) – que exercia um forte controle sobre os meios de comunicação, as produções antinazistas foram censuradas até o início de 1942, momento no qual o país rompeu as relações diplomáticas e comerciais que mantinha com o Eixo (Alemanha, Itália e Japão), aliando-se definitivamente com o bloco Aliado (EUA, Inglaterra e URSS).
A decisão do Estado Novo trouxe algumas consequências para o Brasil. Umas delas foi a autorização para que os filmes antinazistas pudessem ser exibidos em seus cinemas. Outra consequência, certamente uma das mais graves, foram os torpedeamentos cometidos pelo submarino alemão U-507 a cinco embarcações brasileiras (Baependy, Araraquara, Aníbal Benévolo, Itagiba e Arará), na costa entre Bahia e Sergipe, nos dias 15, 16 e 17 de agosto de 1942.
Esse evento, que neste ano completa 80 anos, foi o estopim para a entrada do Brasil na II Guerra Mundial, e impactou consideravelmente o cotidiano do pacato estado de Sergipe, que vivenciou dias difíceis diante da chegada dos destroços das embarcações, dos corpos das vítimas e dos sobreviventes. Há de se mencionar, ainda, o temor dos sergipanos diante da possibilidade de novas agressões, bem como a desconfiança e as reações enérgicas dessas pessoas contra os descendentes dos países do Eixo, especialmente italianos e alemães, que residiam no Estado à época.
É nesse contexto turbulento provocado pelos torpedeamentos que ocorre a estreia do primeiro filme antinazista em cinemas sergipanos, à época localizados na capital Aracaju. E o filme em questão foi Confissões de um espião nazista, projetado pela primeira vez em 09 de setembro de 1942, no Cine Rio Branco. Dois dias após a estreia, a jornal Folha da Manhã divulgava a película da Warner com a seguinte chamada: “Que sabe você dos perigos que ameaçam o Brasil?? Dos perigos que rondam o seu lar… e que ameaçam a sua segurança pessoal e dos entes que lhe são caros?… Confissões de Um Espião Nazista, o filme que Hitler daria tudo para destruí [sic], lhe explicará muita coisa que você ignora”.
Três anos desde o início da produção de filmes antinazistas e menos de um mês após os torpedeamentos, os espectadores de cinema de Sergipe puderam, finalmente, apreciar uma produção contrária ao regime responsável pelas agressões que haviam acabado de presenciar, cujas consequências ainda ressoavam no seu cotidiano. Não por acaso, o periódico que anunciou Confissões de um espião nazista fez questão de ressaltar como aquele filme “que Hitler daria tudo para destruí [sic]” poderia ajudar na identificação de espiões do Eixo, que apresentavam uma ameaça não só ao Brasil, mas a cada pessoa individualmente, seus lares e seus entes queridos.
Nesse sentido, percebemos como, além do entretenimento, o cinema representava uma oportunidade para que seus frequentadores se inteirassem sobre o conflito mundial e, no caso das películas antinazistas, sobre o Terceiro Reich (seus líderes, seus símbolos, suas ideologias, como se comportavam, como agiam, entre outros aspectos). No caso de Sergipe, um dos poucos locais da América que viu e sentiu de perto os efeitos da II Guerra, é simbólico que um filme sobre espionagem, que levou anos para ser exibido no Brasil, tenha estreado justamente no momento em que sua população ainda encarava os efeitos provocados pelos torpedeamentos.
Para saber mais:
MAYNARD, Andreza Santos Cruz. O Filme Confissões de um espião nazista e o Antinazismo nas Telas Aracajuanas. MAYNARD, Dilton C. S.; MAYNARD, Andreza S. C. (Orgs.). Leituras da Segunda Guerra Mundial em Sergipe. São Cristóvão: Editora UFS, 2013, 117-140.
O texto integra atividades do projeto “O Pearl Harbor brasileiro: o cotidiano de Sergipe na Segunda Guerra (1942-1945)”, apoiado pelo CNPq através do Edital Universal 2018.
Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/o-filme-que-hitler-daria-tudo-para-destruir/ em 30/06/2022.
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