Liliane Costa Andrade
Doutoranda em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal de Sergipe (GET/UFS/CNPq)
Orientador: Dr. Dilton C. S. Maynard (DHI/ProfHistória/UFS – PPGHC/UFRJ)
“Que sabe você dos perigos que ameaçam o Brasil?? Dos perigos que rondam o seu lar… e que ameaçam a sua segurança pessoal e dos entes que lhe são caros? (…) Confissões de Um Espião Nazista, o filme que Hitler daria tudo para destruí, lhe explicará muita coisa que você ignora”. Em 11 de setembro de 1942, o jornal Folha da Manhã anunciava à população aracajuana a estreia do primeiro filme de propaganda antinazista hollywoodiano a ser projetado em um cinema da cidade. Dali até o ano de 1945, os frequentadores dos cinco espaços de exibição que funcionavam na capital de Sergipe assistiriam a uma série de longas-metragens produzidos pela principal indústria cinematográfica do período, que traziam em seus enredos uma contundente propaganda contra o regime nazista. Além do lazer, a veiculação desses filmes serviria para que o público criasse uma memória pública sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e seus principais participantes.
Quem nos conta essa história é a Dra. Andreza Santos Cruz Maynard, em seu mais novo livro: DE HOLLYWOOD A ARACAJU: antinazismo e cinemas durante a Segunda Guerra Mundial. A obra é fruto das pesquisas que Maynard desenvolveu ao longo do Doutorado e do Pós-Doutorado em História e está estruturada em quatro capítulos. No primeiro, nomeado Aracaju sob o impacto da Segunda Guerra Mundial, ela incialmente nos conduz em um passeio pela Aracaju das décadas de 1930 e 1940, apresentando-nos espaços comerciais e de lazer, festas, profissões, religiões e hábitos do povo aracajuano para, em seguida, explorar como a pacata capital foi atingida diretamente pela II Guerra, em detrimento dos torpedeamentos cometidos pelo submarino alemão U-507 aos navios brasileiros Baependy, Aníbal Benévolo, Araraquara, Itagiba e Arará, na costa entre os estados da Bahia e de Sergipe. O episódio, que serviu de estopim para a entrada do Brasil no conflito, também trouxe diversos impactos ao cotidiano de uma cidade que, diante das dificuldades enfrentadas, pôde contar com cinco importantes espaços para a diversão da sua população: os cinemas.
Que cinemas eram esses? A quem pertenciam? Onde estavam localizados? Quais os seus aspectos estruturais? Quanto cobravam pelos bilhetes? Qual o seu público frequentador? O que exibiam e em quais horários? Quais problemas enfrentavam? Essas são algumas perguntas respondidas ao longo do segundo capítulo; Os cinemas em Aracaju durante as décadas de 1930 e 1940, no qual Maynard realiza uma análise minuciosa sobre o Rio Branco, o Rex, o Guarany, o São Francisco e o Vitória, cinemas que funcionaram de forma regular em Aracaju ao longo da II Guerra. Ocupando as “Cadeiras” ou as “Gerais”, dezenas de pessoas encontravam nesses ambientes uma oportunidade para distraírem-se e informarem-se sobre o conflito. Mas, antes de chegar às telas, todo o conteúdo exibido passava pelo crivo da censura que operava no período.
No terceiro capítulo, a autora nos mostra como a atuação de órgãos vinculados ao Estado Novo (DIP e DEIP), responsáveis pela censura aos meios de comunicação (cinema, rádio, imprensa, teatro), interferiu diretamente na programação dos cinemas aracajuanos ao longo da guerra, devido à mudança de posicionamento do Brasil. Quando encerrou o período de neutralidade, em janeiro de 1942, rompeu com o Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e alinhou-se totalmente ao bloco Aliado (EUA, Inglaterra e França), o governo brasileiro também mudou sua postura com relação aos filmes, em especial àqueles que faziam propaganda contra o nazismo. Quem muito ganhou com isso foi Hollywood, que vinha produzindo esse tipo de película desde 1939 e naquele momento, finalmente, podia contar com o mercado consumidor brasileiro.
Desse modo, no quarto e último capítulo, intitulado Cartaz de hoje: filmes antinazistas em Aracaju, Maynard se dedica a examinar que filmes eram esses. De forma mais detalhada, ela realiza uma análise de Confissões de um espião nazista, o primeiro desse tipo a ser exibido em Aracaju, como mencionado anteriormente. Em seguida, segue investigando os outros 16 longas-metragens antinazistas hollywoodianos projetados em 1942, 1943, 1944 e 1945.
Escrito com muito rigor científico, DE HOLLYWOOD A ARACAJU: antinazismo e cinemas durante a Segunda Guerra Mundial apresenta-se como uma importante contribuição para a historiografia sergipana e brasileira. A obra chega num momento em que as produções acerca da propaganda antinazista norte-americana e sua atuação no Brasil durante a II Guerra ainda são escassas, o que a torna uma referência no assunto; trata-se, ademais, de um estudo pertinente sobre a história de Aracaju e sobre os cinemas aracajuanos entre as décadas de 1930 e 1940. Cabe ressaltar, ainda, o cuidado da autora em escrever um livro com uma linguagem simples, o que o torna acessível tanto às/aos historiadoras/historiadores quanto a todas e todos que se interessem pelos temas que o envolvem.
Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/de-hollywood-a-aracaju/ em 23/09/2021