Caroline de Alencar Barbosa
Mestre em Educação na Universidade Federal de Sergipe (PPGED/UFS)
Graduada em História na Universidade Federal de Sergipe (DHI/UFS)
Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)
As séries produzidas pelos serviços de streaming tornaram-se um sucesso mundial. Tratando ou não de temas do cotidiano, angariam diversos expectadores e ocupam um espaço nas telas dos smartphones, dos computadores e notebooks. Nesse cenário, vale destacar que muitas delas surgem de adaptações de livros, ganhando amplitude entre os leitores que se interessam em acompanhá-las. Um dos exemplos consiste no livro de Margaret Atwood, The Handmaid’s Tale (O conto da Aia em português).
A obra foi lançada em 1985 e consiste em uma distopia que, adaptada pelo serviço de streaming Hulu, retrata um cenário onde cristãos fundamentalistas tomam o poder do que anteriormente era conhecido como Estados Unidos e criam um país chamado de Gilead. Nesse cenário, que é ditatorial, as mulheres passam por processos de seleção a partir de suas fertilidade ou infertilidade e são designadas para casas de “comandantes” e são chamadas de Aias.
A narrativa centra-se na protagonista June, que se torna Aia; ou seja, deve servir sexualmente aos homens aos quais for “encaminhada” a fim de gerar um filho para a família do comandante. As esposas desses homens de poder também participam do processo de “fecundação” estando presentes no momento do ato. Esse movimento ganhou espaço dentro da sociedade representada e é bem aceito, pois, no tempo em que a narrativa ocorre, o mundo passa por crises de natalidade e fertilidade.
A série traz a ótica de uma sociedade que legitima, de forma autoritária, a subordinação feminina, em diversos aspectos, e dentro de perspectivas distintas: das Aias, das esposas dos comandantes, das Marthas (que cuidam da alimentação e das casas por serem inférteis) e da responsável por criar um ambiente em que as Aias sigam as regras estabelecidas e sejam punidas, caso não as cumpram. No desenrolar da série, vemos, por diversas vezes, o discurso cristão sendo utilizado como base constitutiva de Gilead. No decorrer da história, as protagonistas se revelam e tomam seu lugar de fala a fim de rebelar-se contra o sistema a elas imposto. A união entre Aias e esposas de comandantes demarca a insatisfação com o regime e a necessidade de escapar.
Contando com três temporadas até o momento (2017 – presente), ‘O conto da Aia’ traz a temática da força da figura feminina contra a opressão, machismo e submissão impostas pelos homens. Ela já inspirou, inclusive, protestos nos EUA, onde diversas mulheres saíram às ruas vestidas de Aia, como na Marcha das Mulheres contra Trump, em 2017. Atualmente, esse discurso promovido por Atwood ainda pode ser encontrado em um movimento de retorno ao fundamentalismo, à valorização do discurso cristão que inferioriza a mulher e da ascensão de governos de extrema-direita. A série permite reconhecer o poder das mulheres e a coragem para enfrentar o poder estabelecido em prol da sua sobrevivência.
Visto que o dia 10 de outubro foi instituído como O Dia Nacional Contra a Violência à Mulher e, em 25 de novembro, teremos o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, estabelecido pela ONU em 1999, a série nos mostra um olhar feminino em torno de questões como violência de gênero e violência sexual, temas ainda presentes em nossa sociedade. Aos que não conhecem as obras, tanto a literária quanto a série, é uma excelente leitura de mundo sobre a imagem do humano, do feminino, do discurso político repressor e das consequências sociais causadas. Sendo assim, em seu discurso, Atwood trouxe um tema que ainda é atual e que deve ser observado atentamente, para além da tela.
Originalmente publicado em: https://infonet.com.br/blogs/distopia-em-ascensao-o-protagonismo-feminino-em-o-conto-da-aia/ em 28/10/2020